quarta-feira, 9 de maio de 2018

O que ainda precisamos fazer pela segurança do paciente?



O que ainda precisamos fazer pela segurança do paciente?
Por José de Lima Valverde Filho,
médico e coordenador de acreditação do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA)

Mês passado o Brasil celebrou o “Abril pela Segurança do Paciente”, data instituída pelo Ministério da Saúde por ocasião do lançamento do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Passados cinco anos, nem todas as instituições de saúde do país implantaram o Núcleo de Segurança do Paciente, apesar da obrigatoriedade da RDC 36, de julho de 2013.
Apesar da cultura de segurança estar mais disseminada entre os profissionais de saúde brasileiros, ainda ocorrem, em proporções elevadas, eventos adversos evitáveis relacionados a falta de adesão a procedimentos de segurança. Entre esses eventos, estão os associados a administração de medicamentos por profissionais da saúde. São eventos com alta probabilidade de proporcionarem significantes danos aos pacientes, como morte ou lesões permanentes. Embora a OMS assegure que é difícil estimar a prevalência desse tipo de evento – denominado genericamente de erro de medicação –, devido à variação de definições e sistemas de classificação utilizados, as taxas de prevalência de ocorrência são amplamente variáveis em diferentes partes do mundo. Um estudo do Reino Unido identificou que 12% de todos os pacientes de cuidados primários podem ser afetados por um erro de prescrição ou monitoramento ao longo de um ano, aumentando para 38% naqueles acima de 75 anos. Em pacientes que receberam cinco ou mais drogas durante um período de 12 meses, esse risco é de 30%. Outro estudo sueco encontrou uma taxa de erro de medicação de 42%. Já na Arábia Saudita, um levantamento concluiu que pouco menos de 1/5 das prescrições de cuidados primários continha erros, sendo uma minoria, de maior gravidade. No México, um apontamento revelou que 58% das prescrições continham erros, a maioria de dosagem (27,6%).
Embora haja alguns levantamentos pontuais, ainda não se tem um retrato efetivo sobre ‘erros de medicação’ no Brasil. No entanto, esses exemplos demostram que estamos diante de um problema global. Além dos erros de prescrição, quando o profissional se equivoca, de diferentes modos, na prescrição correta do medicamento, as falhas podem ocorrer na  dispensação (quando a farmácia envia o medicamento errado); por omissão (quando um medicamento prescrito não é administrado, sem justificativa técnica); por erro de horário (quando os intervalos de administração são errados ou o medicamento é administrado fora do horário ou do intervalo terapêutico); de administração não autorizada de medicamento (quando sem ordem médica, um medicamento é administrado); de dosagem (quando a dose é inferior ou superior a prescrita);
erro de apresentação (quando o medicamento certo é administrado, mas pela via inadequada ou apropriada); erro de preparo (quando a diluição do medicamento, por exemplo, é feita com diluente inapropriado); erro de administração (quando a via é errada, por exemplo intramuscular ao invés da venosa);
erro com medicamentos já inadequados ao uso (quando medicamentos expirados ou vencidos são administrados); e erro de monitoração (quando são ignoradas as atenções com os possíveis eventos colaterais ou indesejáveis de alguns medicamentos).
Portanto, as oportunidades de erros são grandes e somente a qualificação de todos os envolvidos na cadeia de medicamentos (da aquisição a administração) pode diminuir a incidência desses casos, que são comumente causados por problemas de comunicação ineficiente, ambiguidades em nomes de produtos, instruções de utilização, abreviaturas ou escrita médicas, maus procedimentos ou técnicas, ou uso indevido do paciente por causa da má compreensão das instruções de uso do produto.
Para evitar que as possibilidades de erros aconteçam é preciso estabelecer e rever processos permanentemente. Apontar culpados só permitirá a reincidência. Em caso de incorreções, a transparência é essencial para evitar danos maiores. O NHS, sistema nacional de saúde do Reino Unido, criou o chamado o “Duty of Candour”, que estabelece, entre outros, o dever do profissional e/ou da instituição em comunicar aos pacientes e familiares sobre erros. Estudos demonstram que a transparência reduz o litígio.
Entretanto, nosso maior desafio é lidar com a conscientização do problema. Uma questão significante é a falta de sensibilidade da indústria farmacêutica que continua a produzir fármacos diferentes, em embalagens e apresentações muito semelhantes. É importante também ressaltar que os cuidados com medicamentos devem ser estendidos a outros produtos, como contrastes e alimentação enteral, por exemplo. Por fim, mas de altíssima significância, as estratégias empregadas para a redução de erros de medicação não podem, em absoluto, prescindir do papel de farmacêuticos clínicos. Entre outras atividades de responsabilidade na cadeia de aquisição e uso de medicamentos, são eles que avaliam as prescrições quanto a interações medicamentosas e a adequação as condições dos pacientes. Outros suportes reduzem a probabilidade de erros, como a prescrição eletrônica e programas educacionais, geralmente em intervenções multifacetadas. Há também uma necessidade de intervenções pontuais como a preceptoria de especialistas para o uso apropriado de determinados fármacos como os antibióticos.

A Joint Commission International (JCI) e seu associado brasileiro, o Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA) tem feito importantes esforços no sentido de disseminar os padrões de Gerenciamento e Uso de Medicamentos, que é bastante amplo e aborda várias questões sobre fármacos. Se, efetivamente, implantados reduzem a incidência de erros de medicação. A Meta Internacional de Segurança do Paciente de número 3 aborda, especificamente, as condições de identificação, segregação e uso de medicamentos de alta vigilância e dos eletrólitos concentrados. O CBA tem ainda abordado o assunto em cursos, palestras, seminários, congressos e nos seus cursos de MBA e de pós-graduação.

Esse é um esforço conjunto. Só se muda um comportamento, com diálogo e enfrentamento do problema. Se queremos um Brasil com mais segurança para o paciente, precisamos estar imbuídos verdadeiramente de esforços e comprometimentos para que desenhemos processos cada vez mais seguros.


  

Nenhum comentário:

Postar um comentário